A história da parábola do paraíso terrestre de que o outro é o culpado continua muito presente em nossos dias. Talvez, mais que nunca.
Colocar a culpa nos outros faz com que as coisas não andem bem. Não vão bem na família, na economia, na política, na saúde, com a juventude, com a educação, nas cidades mal cuidadas, na natureza desrespeitada e assim vai. Qual a causa, quem são os responsáveis? Os outros.
Realmente estamos sempre em busca dos culpados, ou melhor, já sabemos que são os outros. É verdade que necessitamos desenvolver o espírito crítico, mas corremos o risco de viver anestesiados, achando que todo o mal vem dos outros, que os outros são a causa de tudo sem nos darmos conta de que nós também, muitas vezes, com pequenas ações contribuímos para continuar a realidade que existe.
Não podemos cair na atitude sartreana de dizer: "L'enfer c'est les autres" o inferno são os outros. Tudo o que existe de mal e desordem, os outros são os culpados. Se entrarmos nessa dinâmica, enquanto "eu" me sentir isento, não me sentir também responsável, não haverá mudança, não poderemos contribuir com a melhoria do mundo.
Hoje, no Brasil, infelizmente, também a linguagem contribui para a falta de responsabilidade pessoal, pois criamos uma linguagem perigosa e nefasta que prejudica nossas relações: a linguagem do "nós" e "eles". Quem somos "nós" e "eles"? Será que ao usarmos o "nós" estamos escondendo o "eu", e nos apropriando do "nós", entendendo que somos os detentores da verdade, da justiça? Será que quando usamos o "eles" estamos afirmando que os outros são os culpados, os injustos, os perversos e os causadores de todos os males? Reputo como extremamente perigosa essa linguagem, pois dela nascem muitas e grandes consequências. Como seria bom se adotássemos o linguajar de algumas regiões da África como esta: "Yo soy porque los otros son! Eu existo porque os outros existem! Se desejamos, se queremos (e nós queremos) uma sociedade fraterna, justa, íntegra, precisamos criar uma nova cultura: a cultura do diálogo aberto, sem radicalismos, sem ódios e sem vinganças, mesmo que pensemos de forma diferente ou tenhamos divergências ou propostas diferentes. Mas isso vai exigir de nós uma consciência de humildade, de fragilidade em que ninguém é dono da verdade; somos peregrinos em busca da verdade e precisamos uns dos outros para contribuir para uma sociedade melhor e mais justa, sem alimentar e propagar o ódio.
Desejo que ao rememorarmos em 21 de abril a figura de Tiradentes, exemplo de homem consciente do seu papel social, sintamos também, nós, desejo de viver num Brasil sem escravidão de qualquer ordem.
Nosso desejo mais profundo é sermos sujeitos de nossa vocação democrática e livres de ditadores, de qualquer ideologia escravizante!
Para isso, não sejamos como Adão e Eva, que colocaram a culpa um no outro.